Por que as mulheres (não) usam dildos para se masturbar?

Após a escrita do post anterior, tomei coragem de transcrever aqui no blog uma postagem do Tumblr que sempre me faz refletir muito a respeito de como a sexualidade feminina é muitas vezes produzida e moldada pela sociedade patriarcal em que vivemos.

O post em questão é a resposta da usuária do Tumblr cervicaldischarge a uma pergunta anônima feita por outro internauta dessa rede social. Reproduzo o post na íntegra para vocês:

Em sua pergunta, o internauta questiona: “por que as mulheres usam consolos (dildos) se está provado que só podemos ter orgasmo pela estimulação do clitóris?”. A resposta de cervicaldischarge é, no mínimo, instigante. O primeiro ponto levantado pela usuária do Tumblr é que ela, pessoalmente, não conhece mulheres que se masturbem usando consolos/dildos (a saber: pênis ou objetos fálicos de borracha). Trata-se, sem dúvida, de uma evidência anedótica, mas que nos faz pensar: como será que as mulheres reais (e não aquelas que vemos em filmes pornográficos ou comédias românticas) masturbam-se? Como será que uma mulher se dá prazer fora do olhar masculino e patriarcal?

A ideia de cervicaldischarge sobre isso, no entanto, vai além do questionamento das representações de masturbação feminina nas mídias, e afirma que existe um motivo ideológico para a alimentação da crença de que as mulheres se masturbam com dildos.

Eu definitivamente acho que a ideia de que as mulheres usam consolos para gozar em privado é uma ideia propagada para fazer as mulheres pensarem que temos que gozar/gozamos através da penetração. Acho que é definitivamente muito mais um boato do que um reflexo da verdade.

Não sei quanto a vocês, minhas leitoras, mas eu nunca me masturbei usando um dildo ou vibrador penetrativo. Eu simplesmente não me penetro. Não gosto da sensação, não me dá prazer.

Outro ponto interessante da resposta de cervicaldischarge é que, muitas vezes, as mulheres são pressionadas pela sociedade a comprar brinquedos sexuais com o intuito de praticar para o sexo com penetração vaginal (também chamado de PIV ou penis in vagina). Assim, mulheres com vaginismo, ou mesmo com dificuldade de fazer sexo vaginal, seja por falta de lubrificação, por dores, por complicações médicas ou mesmo por questões psicológicas, são muitas vezes incentivadas a comprar kits de pompoarismo para “alargar” a vagina e “aprender” a controlar os músculos cervicais (o que acho uma tremenda idiotice, mas vamos lá). Assim, a sociedade enfia um monte de dildos e vibradores fálicos nas mulheres, tentando convencê-las de que se elas praticarem a penetração vaginal sozinhas sua relação sexual heterossexual vai melhor.

Nas palavras de cervicaldischarge,

E eu sinto que muitas mulheres são pressionadas (culturalmente, mas também por parceiros masculinos) a comprar brinquedos sexuais para ‘praticar’ serem capazes de gozar através de PIV, então eu sinto que os brinquedos sexuais que são penetrantes podem ter um tipo de aspecto corretivo/disciplinar que é terrível pra caralho.

A respeito dos vibradores que não são dildos, mas que não são completamente dedicados a estimulação do clitóris, a autora pondera que muitos dos brinquedos sexuais utilizados em relações sexuais heteronormativas têm por intuito apimentar a prática da penetração vaginal. Como a penetração da vagina pelo pênis é vista em nossa sociedade patriarcal como mandatória para uma “boa transa” (seja lá o que isso signifique), as mulheres que desejam um pouco de prazer sexual tentam incrementar essa prática por meio de vibradores, bullets, rabbits, e toda a variedade de brinquedos sexuais que podem, ocasionalmente, uma vez a cada bilhão de anos e por milionésimos de segundos, resvalar levemente suas vibrações no clitóris.

A esse respeito, cervicaldischarge afirma que:

Muitos brinquedos sexuais que não são dildos, como os vibradores, são usados ​​para tornar o ato do piv mais tolerável para a mulher também … para que elas sintam um pouco de estimulação em vez de, uh, o homem se incomodar de tentar agradar sua parceira. E, é claro, porque o piv é visto como obrigatório, então a única alternativa é “apimentá-lo”.

É sem dúvidas triste que nós, mulheres, não possamos simplesmente dizer “não”. Não, eu não quero fazer sexo penetrativo. Não, eu não quero um pênis na minha vagina. Para a maior parte das pessoas em nossa sociedade, isso é considerado uma aberração, para não usar outras palavras mais ofensivas que já ouvi ao longo de minha vida.

Nesse sentido, a autora explica que mulheres como eu (que não querem ser penetradas) são vistas como aberrações porque a misoginia e o machismo impregnados em nossa sociedade fazem com que os homens desejem a penetração vaginal acima de tudo (mesmo que eles não precisem disso para ter orgasmos e uma vida sexual sadia e feliz), e que as mulheres, treinadas desde o nascimento para agradá-los, tentam adequar-se ao papel de orifícios prontos a serem preenchidos, que talvez, com sorte, consigam sentir alguma satisfação com esse ato.

Nas palavras de cervicaldischarge,

A supremacia masculina não se importa que as mulheres possam ter orgasmo por meio da estimulação do clitóris, porque o orgasmo [supostamente] derivado de um pênis é visto como superior e ideal, e esse é o orgasmo que as mulheres, socializadas para atender aos ideais masculinos, também desejam alcançar ou fingir que alcançam.

O que fica dessa reflexão é, justamente, a indagação sobre o quanto as mídias, as revistas femininas, os filmes pornográficos, os livros de romance, os discursos de sex shops, enfim – as maneiras pelas quais a sociedade patriarcal se manifesta – modificam nossas maneiras de nos relacionarmos com nossos próprios corpos.

Você, mulher cisgênera que gosta de sexo penetrativo, já pensou do por quê gosta disso? Desde que idade as pessoas ao seu redor falam a respeito da penetração vaginal como sendo “a coisa mais legal do mundo”, ou mesmo um dever conjugal, uma parte “natural” da vida, um mandamento divino, algo que você precisa fazer para manter seu namorado ou marido interessado em você?

Já parou para pensar que, talvez, seu clitóris, esquecido e empoeirado no fundo de sua gaveta-vulva, mereça um pouco mais de amor?

Publicado por A Rainha da Rosa Azul

Dominatrix, pesquisadora e escritora.

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